26 de janeiro de 2013

Ciclismo: o ensaio definitivo

 
Da Superioridade Moral do Valentino Rossi Sobre o Lance Armstrong

[Tratado filosófico sobre as vantagens da mota face à bicicleta] 
Capt. Paddock, filósofo



Revelando mais uma vez o meu espírito contraditório, volto a referir um assunto do qual ainda ontem tinha prometido não falar. A polémica parece não abrandar: entre os que choram, os que apontam o dedo, os que têm pena e os que ficaram contentes, uma cavalgada de interpretativismos tomou conta de algumas mentes a ponto de já se falar em ética e moral, vejam só. Fui à procura do Le mal: Un Défi à la Philosophie et à la Théologie do Paul Ricoeur mas, dado o estado de desorganização que assola presentemente os meus aposentos, não me foi possível encontrar esse livro, ao qual queria retirar umas citações em francês para colocar aqui, não só para mostrar a minha erudição, como também para vos esclarecer um pouco mais acerca da rábula do Armstrong, uma vez que o Ricoeur tem umas boas malhas sobre o tema. Não encontrei o que queria, mas no meio da bagunça dei de caras com a Ética a Nicómaco do Aristóteles, onde estava um cromo do Franco Baresi a servir de marcador, entalado nas páginas da cota 1137a, e onde se pode ler o seguinte:


"τὸ δ᾽ οὐκ ἔστιν: συγγενέσθαι μὲν γὰρ τῇ τοῦ γείτονος καὶ πατάξαι τὸν πλησίον καὶ δοῦναι τῇ χειρὶ τὸ ἀργύριον ῥᾴδιον καὶ ἐπ᾽ αὐτοῖς, ἀλλὰ τὸ ὡδὶ ἔχοντας ταῦτα ποιεῖν οὔτε ῥᾴδιον οὔτ᾽ ἐπ᾽ αὐτοῖς. ὁμοίως δὲ καὶ τὸ γνῶναι τὰ δίκαια καὶ τὰ ἄδικα οὐδὲν οἴονται σοφὸν εἶναι, ὅτι περὶ ὧν οἱ νόμοι λέγουσιν οὐ χαλεπὸν συνιέναι ἀλλ᾽ οὐ ταῦτ᾽ ἐστὶ τὰ δίκαια ἀλλ᾽ ἢ κατὰ συμβεβηκός ἀλλὰ πῶς πραττόμενα καὶ πῶς νεμόμενα δίκαια, τοῦτο δὴ πλέον ἔργον ἢ τὰ ὑγιεινὰ εἰδέναι: ἐπεὶ κἀκεῖ μέλι καὶ οἶνον καὶ ἐλλέβορον καὶ καῦσιν καὶ τομὴν εἰδέναι ῥᾴδιον, ἀλλὰ πῶς δεῖ νεῖμαι πρὸς ὑγίειαν καὶ τίνι καὶ πότε, τοσοῦτον ἔργον ὅσον ἰατρὸν εἶναι."

Cuja tradução para inglês feita por mim (mentira, fiz copy/paste do texto grego) é a seguinte:

“Men think that it is in their power to act unjustly and therefore that it is easy to be just. But really this is not so. It is easy to lie with one's neighbor's wife or strike a bystander or slip some money into a man's hand, and it is in one's power to do these things or not; but to do them as a result of a certain disposition of mind is not easy, and is not in one's power.”

Opto por nem sequer comentar as palavras do grego, dada a clarividência que elas possuem, referindo antes o facto de ter que haver uma razão para um cromo do Baresi aparecer nas páginas onde se diz isto. O Baresi, cujo papel no futebol mundial foi o de baresi, e não de libero ou defesa central, como muitos ignorantes em matéria de ética e futebol dizem por aí, no meio da Ética a Nicómaco, esquecido há uma data de anos... isto sim, isto é que é uma questão ética e moral, ao contrário das parvoíces que esse Vale e Azevedo versão ciclista anda com os seus 15 assessores a distribuir pelas televisões e jornais, tentando safar-se sem ter que devolver o guito que recebeu: a única questão que importa, como já quase toda a gente percebeu.

Mas, se querem mesmo ler alguma coisa que vos inspire para que possam tomar uma posição esclarecida sobre isto, remeto-vos para o imperativo categórico do Kant ou então para o meu próprio imperativo categórico, ambos absolutamente lapidares acerca do que poderá ser uma boa conduta em matéria de desporto, de drunfos e não só.


“Age como se a máxima da tua acção se deva tornar, através da tua vontade, lei universal.”

Kant



“Entre o arroz de pato e o arroz de cabidela escolhe sempre o arroz doce”

Capt. Paddock


A proximidade entre o meu pensamento e o do Kant é matéria já identificada por muitos estudiosos e filósofos que se têm dedicado a tentar perceber melhor a beleza das coisas simples. Kant afirmava: “Só duas coisas me causam mistério: o céu estrelado acima de mim e a lei moral que há em mim.” Eu, Capitão Paddock, em tempos afirmei: “Só duas coisas me fascinam: como fazer um ovo estrelado sem rebentar a gema e como bater em fade sem falhar o green.” Mas deixo esta questão para os especialistas; sou demasiado modesto para me comparar com o Kant. Isto está a ficar muito rebuscado dado o elevado nível dos argumentos filosóficos invocados mas tenham calma. Também fui consultar a secção de perguntas da revista Maria e encontrei lá isto:

Aos senhores doutores da Maria, Olá, sou o Paulinho, moro na Arrentela e trabalho num hipermercado. Estou a escrever aos senhores porque eu pratico ciclismo amador nos tempos livres e outro dia vi na televisão o Armstrong com uma bicicleta igualzinha à minha e queria saber se isso faz de mim um junkie. Obrigado

Caro Paulo, não há nenhuma evidência científica de que isso possa acontecer. Continue a praticar a modalidade de que gosta e não se preocupe com o que os outros tomam ou deixam de tomar. Siga o seu caminho, pois só assim poderá atingir a felicidade.

Revista Maria, Janeiro de 2013

O que eu pretendo com este meu tratado é esclarecer o assunto de uma vez por todas, como é habitual em mim. Lanço (não é trocadilho) a seguinte questão: porquê ir de bicicleta se podemos ir de mota? A resposta a esta pergunta desfaz em pó as mais absurdas teorias que se têm produzido acerca do irrelevante Armstrong: das idiotices daquele preto estúpido que o maradona postou, às palermices dos da teoria da conspiração, vai um mundo de insanidade que só serve para desviar do essencial e que se pode traduzir no seguinte: Valentino Rossi, no seu meio de transporte com duas rodas e um guiador, chega primeiro que o Armstrong a qualquer sítio. Sim, já sei, a trotinete do Rossi tem motor. Mas o que é que isso interessa? Só os que ligam a ciclismo é que dão conta desses pormenores. Não é permitido usar motas no ciclismo? Quero lá saber. Se for em França, der na TV à tarde e tiver o Marco Chagas (saudações leoninas) a falar é porque é ciclismo, quer os gajos vão de bicicleta, de mota, ou de triciclo, como o Toulouse-Lautrec no sketch dos Monty Python. Não estão convencidos? Acham injusto uns irem de mota e outros de bicla? Pois digam lá então qual é a justiça de uns irem pastilhados e outros não. A justiça, quando é humana, é sempre subjectiva, meus amigos e minhas amigas. Justiça da outra, aquela a sério mesmo, só a de Deus. E os que não acreditam em Deus, olhem, façam o que vos parecer melhor, continuem a ler o que eu e os outros filósofos escrevemos e não pensem muito nas cenas. O Rossi chega mais depressa aos sítios do que o Armstrong. E isso é filosoficamente suficiente.

4 mil e tal quilómetros num mês? Ou é peregrino ou caixeiro-viajante

 
"Foi com alguma emoção que voltei á blogo, e revisitei os bolgs a que sempre regresso como se neles tivesse cometido um qualquer crime que esqueci. Este [Causa], o do alf, o do tolan e o do ZMB (ainda não me habituei ao capitão). O alf escreveu muito. Muito escreveu o tolan. Vou ler depois. Pouco o ZM, cujo texto sobre o bfachada é um hino de lapidar lucidez e contundente opinião. Tu nada. Pois é maradona, só não te mando foder porque lá terás as tuas razões para o exercício mazoquista de comunicares com palavras de outros e silenciares as tuas."

 
Este comentário foi publicado pelo Ex-Vincent Poursan, a 24 de Janeiro de 2013 às 20:19 na Causa Foi Modificada, no meio da lamechice armstrongueira que atacou em força os cérebros das pessoas que dão importância a corridas de bicicletas. 
Como eu não ligo peva a ciclismo, há poucas probabilidades de virem a conhecer a minha opinião sobre tão irrelevante tema.
Ainda assim, não quero deixar passar sem referência o regresso aos blogs do Poursan, o não possuidor de blog em nome próprio mais famoso da blogosfera.

22 de janeiro de 2013

Eu nem sabia que havia 'blogs de moda'

 
Alguém devia explicar àquele etíope do FMI que um etíope, lá por usar fatos de corte inglês e óculos fashion de estilistas panascas italianos, não deixa de ser um etíope. Podem também explicar ao etíope que em Portugal as pessoas que governam – más, eu sei – ainda são eleitas e que a constituição não se muda só porque há um etíope que acha que ela não serve para aquilo que o etíope leu num artigo de 8000 caracteres publicado na Economist, enquanto esperava pelo avião. Digam também ao etíope que quem nasce para os 10000 mt. não se deve meter a fazer assalto à vara.

21 de janeiro de 2013

Olha, aqueles pretinhos de tanga com ossos espetados nos lábios são tão giros, ou como o pechisbeque folclórico da Joana Vasconcelos não passa de loja de chinês para pessoas adult-contemporary que gostam de passar por cultas em festas de aniversário

 
Elaborar uma teoria das coisas é a ambição natural de todo o filósofo que se preze. Mas é preciso pachorra (um conceito filosófico). E por isso as minhas consistentes teorias sobre as coisas são uma metafísica que os outros julgam desgarrada e à espera que as pontas sejam unidas. Outro galo cantará quando eu tiver tempo: aí ponham-se a pau. Toda a minha argumentação caminhará no sentido da consolidação de uma obra capaz de responder às mais simples e desconexas imanências nas quais o humano se manifesta, foda-se. O que, por outras palavras, significa que ainda um dia serei capaz de perceber o que vai na cabeça das gajas. Mas não se preocupem que eu também não; temos tempo. De seguida vou esgalhar um ensaio com alguma profundidade sobre artes plásticas que, como verão de seguida, é afinal sobre arte de plástico. Mas não coloco a conclusão à entrada, por isso têm que ler até ao fim.

Prosseguindo a análise a uma série de artistas desprovidos de talento e cujo estatuto de artista lhes foi oferecido pelo lobby dos jornalistas, comentadores e agentes, vou dissertar um pouco sobre a obra da Joana Vasconcelos, aquela sujeita que costuma aparecer vestida com as sobras dos panos que utiliza para a produção das suas peças. O primeiro gajo a perceber claramente a função do jornalismo na sociedade em que habitamos foi o Karl Kraus. E, como de costume, o primeiro a perceber é quase sempre aquele que percebe melhor: Karl Kraus foi suficientemente claro sobre o papel nefasto do jornalismo. E nem conhecia juditesdesousas e josésrodriguesdossantos, sorte a dele. Mas sobre este carrossel de exibicionismo vazio que é o jornalismo ensaiarei noutra altura.

Para a invenção de um artista não basta a força dos críticos, tem que haver qualquer coisa mais – não necessariamente talento – para que o artista se faça artista profissional, ou seja, aquele que aparece. A portugalidade, por exemplo, é uma balela à qual muitos artistas recorrem para enfeitar as suas criações, mas é gira. Fica bem e é muito bom para a caça ao subsídio. A lusofonia é outra do género e também muito gira: garante uns apoios bem jeitosos. A Joana Vasconcelos resolveu usar esse adereço da portugalidade. Pega naquelas merdas giras típicas de bilhete postal e aplica-as nas bugigangas e geringonças que vai fazendo: rendas de bilros, calçada portuguesa e outras coisas assim todas misturadas e que ficam muito giras. Dá uma perspectiva multiculturalista à coisa: assim uma espécie de visão do mundo loja gourmet do Corte Inglês: coisas giras de vários sítios, muito giro. Mesmo que já tenha sido feito antes.




Em terra de cegos quem tem um olho é rei. E em terra de ignorantes que tem uma cunha é artista. Toneladas de performance, mixed-media, instalação, vídeo-arte e outros palavrões semelhantes aí estão para o provar. Mas tudo muito giro, claro.

18 de janeiro de 2013

B fachada: a análise que se impõe



Na Taberna do Maradona, tive a oportunidade há uns tempos atrás, de dar a conhecer o meu veredicto sobre o B Fachada, como tal, o veredicto final sobre o tema. Porém, na caixa de um dos comentários do colega filósofo alf, está-se a desenrolar uma mesa-quadrada absolutamente desnecessária e isso obriga-me a voltar de novo a um tema que eu julgava encerrado. Como até estou com tempo, vamos lá esclarecer esta merda de uma vez por todas porque eu não tenho paciência para estar sempre a explicar o mesmo perante a passividade de algumas pessoas que teimam em não entender as coisas. Coloquem o capacete e contem até dez. Respirem fundo e imaginem as minhas palavras a entrar nas vossas cabeças como aqueles secadores de cabelo para as velhotas que fazem mise. Deixem-se envolver.



A música do B Fachada é pobre, não porque tenha muitos ou poucos acordes, como alguns simplórios que não entendem nada de música referem, mas porque é má. Os que confundem acordes com posições dos dedos na mão esquerda, esquecem que a hipotética simplicidade ou complexidade de uma música não passa por aí. Passa antes por outros factores que eu terei tudo o gosto em clarificar, mas apenas àqueles que entendem alguma coisa do assunto, para que possamos ter uma conversa minimamente produtiva sobre o tema. E tocar Dó maior, Lá menor, Ré maior e Sol maior não basta; saber música é um bocado mais do que isso.

O que faz com que a música do B seja efectiva, comprovada e certificadamente uma merda? Vamos aos aspectos principais, eles bastam. O timbre de voz do B oscila entre o Vasco Santana a pedir lume ao candeeiro e o António Silva a dizer para as pessoas esperarem enquanto as válvulas do rádio aquecem. A extensão vocal da voz do B nem uma oitava alcança; fica-se aí por uma quinta diminuta. Aliás, no B tudo é diminuto, à excepção da falta de vergonha na cara: essa transborda, tivesse ele um pingo dela e trataria de estar calado. Quanto à capacidade de execução, B limita-se a tocar viola, no sentido em que o corpo dele toca na viola quando lhe pega. Tocar no sentido de produzir música daquelas cordas presas a uma caixa de madeira, isso já é outra história. De harmonia nem vale a pena falar, a pouca que ali se vislumbra é banal e desinteressante. O que o B toca é o que tocam as pessoas antes de aprenderam a tocar guitarra. O ritmo é o de quem não é capaz de manter no tempo um 4/4 durante cinco compassos seguidos; deve haver mais precisão rítmica num martelo pneumático a furar betão do que nas musiquetas do B. Eu, pelo menos, prefiro ouvir um martelo pneumático do que ouvir o B. Em matéria de letras mais do mesmo: rimas infantis, métrica disparatada de quem não faz ideia do que seja escrever para cantar e prosódia medíocre. Um daqueles casos em que tudo é mau, como ilustra o pequeno vídeo citado pelo alf em que o B resolve armar em parvo com uma velhota que inteligentemente não está para o aturar e o deixa a falar/berrar/gemer sozinho. (não coloco link porque achei essa coisa da música portuguesa a gostar de si própria uma colectânea exemplificativa do que de mais indigente se faz na música em Portugal e eu não me posso esquecer que este blog é lido por crianças). Passo ao lado do pedantismo hispter da criatura. Meia dúzia de jornalistas e críticos ignorantes – todos os críticos tugas de música pop/rock, à excepção de dois, são ignorantes nas mais básicas noções do que é ser músico, compor música, tocar um instrumento, tocar ao vivo, etc. – juntaram-se para inventar o B. Cabe-nos a nós, pessoas esclarecidas e providas de bom senso, repor a verdade dos factos.

Um bom fim de semana a todos, com uma dedicatória muito especial às leitoras que costumam ter sonhos eróticos comigo.

16 de janeiro de 2013

“Beleza estética”, como diz o Freitas Lobo que sabe tanto de filosofia como de mecânica quântica

Neste post trago um presente para todos os que aguardavam ansiosamente pelo meu regresso: um tube dos Chvrches, banda escocesa recente e com um enorme potencial que não escapou aos meus ouvidos atentos.




Os paneleiros e as paneleiras que só ouvem música produzida por guitarras, esse instrumento pré-histórico que sempre que aterra no colo de braços errados, é responsável pela produção de autênticos massacres sonoros como os produzidos pelos Mumford & Sons e outros chatos do género, escusam de perder tempo a palrar as suas opiniões relativamente às quais sou totalmente indiferente. Eu, o Mark E. Smith e o Liam Gallagher – três gajos que, entre outras coisas distintas, têm em comum o facto de torcerem pelo Manchester City – tivemos oportunidade de em púlpitos distintos disponibilizar às pessoas as nossas sábias e definitivas opiniões sobre essa bandeca hipster que faz as delícias de tudo o que é intelectual de esquerda ou estudante de sociologia. Por outro lado, os meus fãs sabem que eu, em tempo oportuno, informei o mundo acerca da existência de excelentes bandas de guitarra como os Sonic Youth ou os My Bloody Valentine, por exemplo, e com isso ficarão mais tranquilos. Mas agora não tenho tempo para esclarecer melhor isto e vou deixar este tema para outra altura.

Em relação ao assunto metafísico do momento, tenho a dizer aos meus ilustres leitores que me estou a cagar para o cão que vai ser abatido e não quero saber quem é a blogger de sotaque afectado que diz que quer uma mala nova. A crise não pode ser panaceia para tudo; temos que nos manter alerta e continuar a ler e a estudar. Livros como este que eu ando a ler, por exemplo:


E não se armem em parvos, se é que me faço entender. O último gajo que se armou em parvo comigo andou com um autocolante da Penélope no carro, que eu lá fui colar à socapa e ele só deu conta 15 dias depois.

5 de janeiro de 2013

A minha mãe disse-me para eu fazer as coisas e não me meter com o Major Tom: variações sobre uma noite em que um DJ me fodeu a vida




Enquanto os pensadores continuam à volta das voltas da vida, eu estou no meu canto com um copo de gin (Bombay Sapphire, quatro cubos de gelo, meio de gin, meio de água tónica e meia rodela de limão) a divertir-me com as voltas que eles dão. O Público, jornal modernaço, resolveu criar um think tank sobre Portugal e a crise, colocando a seguinte pergunta, “Que sociedade será, a sociedade portuguesa e europeia em 2013?” a um conjunto de 13 pensadores. Vamos por partes que isto não está fácil. Os que conhecem a minha obra, ou a do Wittgenstein, por exemplo, sabem que a resposta à pergunta: “Pode uma má pergunta ser respondida?” é negativa. E creio que não é preciso ter estudado em Cambridge para entender isto. Há perguntas que implicam (necessidade lógica) que qualquer resposta que lhes seja dada estupidifique a resposta, distribuindo o ónus da estupidez por quem pergunta e também por quem responde. Certo dia, uma colega de faculdade, só porque eu trazia um livro que não era “de estudo”, perguntou-me “gostas muito de cultura, não gostas?” pergunta que me serviu para colocar em prática o meu wittgensteinianismo, ficando em total silêncio perante o sorriso ingénuo da miúda que achava que estava a ter um acto de simpatia, querendo fazer conversa daquilo que eu andava a ler. Pois o Público começa mal porque lança uma má pergunta, daquelas a que a única resposta inteligente é não responder. Nem me estou a referir ao facto de gramaticalmente estar incorrecta: meter a vírgula entre o “será” e o “a” é abaixo de quarta classe e só serve para confirmar a indigência mental destes organizadores de think-thanks, versão jornaleira. Depois vem o perfil dos entrevistados. Após cuidada análise dos CV daqueles 13 eleitos – vejam o simbolismo do número treze, jasus, como naquelas redacções aquela gente reflecte com tanta profundidade – constata-se que aquilo não é um tanque, é um lagar. E não é de pensamentos, é de azeite, dado o perfil de azeiteiros da maioria dos ditos pensadores. Gajos que gastaram tempo precioso das suas vidinhas para nos ofertarem os seus pensamentos, esforçando-se desse modo por mostrar a luz a estes simples e simplórios indígenas que, de luz, nem querem ouvir falar, dado o trauma em que ficaram da última vez que viram a factura da EDP, uma empresa que, ao que consta, ainda não tem a maioria do capital na posse da filha do Eduardo dos Santos. O problema não é o que se diz, é o que não se diz: bastava que muitos dos palradores dos meios de comunicação soubessem estar calados para que o mundo fosse um local mais aprazível, com os rios menos poluídos, os prados verdejantes, os passarinhos a cantar alegremente e a dívida pública a não aumentar. Não duvidem. A propósito daquilo que não se deve fazer, vou contar um episódio que se passou comigo e que revela como eu devia ter estado quieto. Estava num desses locais onde as pessoas costumam ir à noite beber, dançar, engatar, etc. com um grupo de malta onde estava uma miúda bem gira com a qual tinha estado a falar. E eis que o DJ se lembra de passar esta música



que, dado o adiantado da hora, a quantidade de bebidas (com álcool) que eu já tinha ingerido e o meu enorme gosto pela música em causa, me fez ir para a pista dançar (mais ou menos como o próprio Julian Cope dança neste teledisco). Dado o facto de dançar ser uma das poucas actividades que eu não consigo praticar com brilhantismo, devo ter feito uma daquelas figuras pouco edificantes que me custou uma vincada indiferença e uma despedida sem troca de telefone, por parte da dita miúda. Que é que um gajo faz nestas alturas? Não posso ir para uma discoteca com um taco de golfe fazer uns swings para impressionar – quem me dera -, por isso lá tive que dançar e arruinar os meus planos. O que, resumindo mas ainda não concluindo, revelou que eu devia era ter estado calado, ou melhor, quieto, de copo na mão que é o que eu sei fazer numa discoteca. Voltando ao tema do lagar de azeite dos pensadores do Público, agora para concluir, que eu vou a Alvalade ver o Sporting (sim, eu sei, eu sei, até a minha mãe me tem ligado a insistir, mas que é que querem? não consigo resistir, sou eu que não consigo resistir e são eles que não conseguem jogar, mas olha, foda-se, não dizem que a banda do Titanic continuou a tocar enquanto aquela merda afundava?) Pois aquele lagar de azeite pensado só tem uma utilidade: lermos com muita atenção as pérolas dos 13 pensadores para ver se nos divertimos um pouco: ver os outros a fazer figuras tristes ou a dizerem parvoíces amanhadas à pressa só para armarem em intelectuais profundos, ainda é uma coisa que nos faz rir. Pelo menos a mim, que sou um bocadinho wittgensteiniano.

3 de janeiro de 2013

A Angústia do Apanha-bolas no Momento do Livre Directo



Tirando as dificuldades em conseguir assistir a jogos de futebol de uma equipa que usa camisolas às listas verdes e brancas horizontais e que não é o Celtic de Glasgow, está tudo bem comigo, dos vários pontos de vista. O mundo continua esse sítio estranhamente habitável para o qual a literatura vem há milhares de anos arranjando formas de o caracterizar, tal como as outras artes o têm feito e algumas delas, como a música, por exemplo, até com muito melhores resultados, do ponto de vista. Mas a literatura fica melhor na estante e por isso, e só por isso, muita gente acredita que é ela a arte que tem mais para nos dizer sobre a vida das pessoas. Eu, que superei essa crença na literatura mais ou menos na altura em que percebi que não poderia ser futebolista profissional, titular do Sporting e herói dos putos que jogam à bola na rua, dou essa epifania como uma das mais produtivas para a saudável prossecução da minha vida, sob vários pontos de vista. A partir dos 30, até um surdo percebe que A Sagração da Primavera diz mais sobre o êxtase do que o Debaixo do Vulcão ou que o Requiem Alemão do Brahms diz mais sobre a morte do que toda a obra do Hemingway. E poderíamos continuar, do ponto de vista. A literatura está cheia de imagens, descrições, muito esforço que há muito tempo muita gente tem devotado à descrição das coisas, não porque isso seja interessante ou porque haja necessidade, mas porque quem a isso se dedica não tem mais nada para fazer, do ponto de vista. Não quero com isto dizer que deixei de ler ou que não goste de ler. Continuo a ler e a gostar de ler, mas sabendo muito bem o lugar que a literatura ocupa na minha vida – o quarto, a seguir às gajas, à música e ao golfe (a ordem varia consoante os dias). Do ponto de vista, claro. Enquanto me ausentei do blog para ir mijar, tendo demorado um pouco mais do que o costume, o mundo, o tal que os escritores tanto gostam de o descrever, permaneceu o mesmo: trágico visto ao longe e cómico visto de perto (não sei se o adágio é assim, mas é assim que eu o vejo). O suposto fim do mundo, como quase todas as pessoas inteligentes entenderam, foi apenas mais um pretexto para jornalistas histéricos perderem tempo a ouvir o que têm para dizer os malucos que por aí se passeiam sempre disponíveis para opinar nestas ocasiões. Não foi com grande espanto que li que muita gente tinha ido não sei para onde por causa do fim do mundo, previsto numa dessas patéticas profecias às quais os tontos de serviço dão sempre muito crédito. Quando quero saber as tendências Outono-Inverno ou Primavera-Verão da política mediática (versão esquerda-chique) presto sempre atenção ao que os músicos, pelo menos a grande maioria deles, têm para dizer, do ponto de vista. Apenas para ver se me instruo sobre as coisas, ouvindo cabeças que se fartam de pensar sobre causas, injustiças deste dilacerado planeta que destruímos com a nossa prática consumista, capitalista e essas merdas que essa malta gosta de atirar para cima da mesa com a força de quem lança um ás de trunfo. Mas eu, do ponto de vista, já nem para me rir presto atenção a isso; sou daqueles que só se ri das piadas que têm piada, do ponto de vista. Tive também a oportunidade de ficar a conhecer o escritor Nuno Camarneiro, um destes dias, numa pobre entrevista televisiva conduzida pela Ana Lourenço – Ana, já te vi fazer melhor – sobre a vitória num desses concursos American Idol para escritores, com um livro chamado Em Cima de Alguma Boazona, perdão, fiz confusão, o livro do Camarneiro é Debaixo de Algum Céu, espero que ele não se ofenda com esta minha falha. Mas Em Cima de Alguma Boazona soou-me bem, do ponto de vista. A entrevista foram aí uns quinze minutos dos habituais clichés do jovem artista sensível e preocupado com tudo o que lhe passa à frente do nariz, entrevista enfadonha onde deu para saber que o escritor “está fascinado com a complexidade das pessoas”, “sente um apelo interior que o leva a escrever” e “não tem certeza sobre o que pensam os homens”, ou seja, a leste nada de novo: mais uma estrela no firmamento, mais um para opinar sobre as coisas do mundo, mais um a encher as prateleiras da FNAC e deliciar os basbaques do mundo da cultura. E o ponto de vista, claro. Houve mais uns tarados que andaram aos tiros às pessoas nos EUA, para praticar o seu deporto escolar favorito – o tiro às pessoas que estão por perto. Os Américas já se foram habituando; se um gajo leva a mochila com a PSP, o iPad, o telemóvel, o Donut, o hambúrguer duplo e a lata de Coca-Cola, porque é que não há-de levar uma arma também? Se até o Pacheco Pereira leva uma espingarda para o estúdio da SIC, porque é que grunhos cheios de borbulhas na cara não hão-de poder levar uma Walther para a escola? Vi mais umas quantas notícias na net mas já me esqueci de que falavam, por isso não importa, do ponto de vista. Cheguei a pensar colocar aqui o tempo que fiz na S. Silvestre de Lisboa, só para vos humilhar, mas não o faço porque não quero que vocês saibam quem eu sou. O anonimato é das melhores coisas que um gajo como eu pode desejar: toda a minha fulgurante carreira de dimensão planetária, que venho construindo nos vários saberes que interessam à humanidade - da Tasmânia à Amazónia - tem sido construída na base do anonimato, arma que eu já não dispenso e que só me trás vantagens, materializando-se em recusas sistemáticas que faço a todos os convites para fóruns, colóquios, debates e merdas assim em que não pagam. E, se for a pagar, só vou se pagarem bem. Vem isto a propósito já nem sei bem de quê mas também não interessa, do ponto de vista. O que é certo é que tenho cada vez mais dinheiro a receber e cada vez menos paciência para o cobrar. Fodido está quem tem a receber e não quem tem que pagar. Tenho também a informar que aproveitei o melhor da época natalícia, a comida, como já vem sendo habitual há muito tempo: fantástico o altruísmo de algumas pessoas que abrem garrafas de vinho daquele e servem pratos de confecção caseira daqueles. São gestos destes que ainda nos fazem suportar esse carnaval a que chamam natal, do ponto de vista. Tinha mais merdas para dizer mas estou com sono: vou dormir. A angústia do puto está na ansiedade de vir a saber se vai festejar um golo ou dar a bola ao guarda-redes para ele marcar pontapé de baliza. Do ponto de vista, caralho.