26 de janeiro de 2013

Ciclismo: o ensaio definitivo

 
Da Superioridade Moral do Valentino Rossi Sobre o Lance Armstrong

[Tratado filosófico sobre as vantagens da mota face à bicicleta] 
Capt. Paddock, filósofo



Revelando mais uma vez o meu espírito contraditório, volto a referir um assunto do qual ainda ontem tinha prometido não falar. A polémica parece não abrandar: entre os que choram, os que apontam o dedo, os que têm pena e os que ficaram contentes, uma cavalgada de interpretativismos tomou conta de algumas mentes a ponto de já se falar em ética e moral, vejam só. Fui à procura do Le mal: Un Défi à la Philosophie et à la Théologie do Paul Ricoeur mas, dado o estado de desorganização que assola presentemente os meus aposentos, não me foi possível encontrar esse livro, ao qual queria retirar umas citações em francês para colocar aqui, não só para mostrar a minha erudição, como também para vos esclarecer um pouco mais acerca da rábula do Armstrong, uma vez que o Ricoeur tem umas boas malhas sobre o tema. Não encontrei o que queria, mas no meio da bagunça dei de caras com a Ética a Nicómaco do Aristóteles, onde estava um cromo do Franco Baresi a servir de marcador, entalado nas páginas da cota 1137a, e onde se pode ler o seguinte:


"τὸ δ᾽ οὐκ ἔστιν: συγγενέσθαι μὲν γὰρ τῇ τοῦ γείτονος καὶ πατάξαι τὸν πλησίον καὶ δοῦναι τῇ χειρὶ τὸ ἀργύριον ῥᾴδιον καὶ ἐπ᾽ αὐτοῖς, ἀλλὰ τὸ ὡδὶ ἔχοντας ταῦτα ποιεῖν οὔτε ῥᾴδιον οὔτ᾽ ἐπ᾽ αὐτοῖς. ὁμοίως δὲ καὶ τὸ γνῶναι τὰ δίκαια καὶ τὰ ἄδικα οὐδὲν οἴονται σοφὸν εἶναι, ὅτι περὶ ὧν οἱ νόμοι λέγουσιν οὐ χαλεπὸν συνιέναι ἀλλ᾽ οὐ ταῦτ᾽ ἐστὶ τὰ δίκαια ἀλλ᾽ ἢ κατὰ συμβεβηκός ἀλλὰ πῶς πραττόμενα καὶ πῶς νεμόμενα δίκαια, τοῦτο δὴ πλέον ἔργον ἢ τὰ ὑγιεινὰ εἰδέναι: ἐπεὶ κἀκεῖ μέλι καὶ οἶνον καὶ ἐλλέβορον καὶ καῦσιν καὶ τομὴν εἰδέναι ῥᾴδιον, ἀλλὰ πῶς δεῖ νεῖμαι πρὸς ὑγίειαν καὶ τίνι καὶ πότε, τοσοῦτον ἔργον ὅσον ἰατρὸν εἶναι."

Cuja tradução para inglês feita por mim (mentira, fiz copy/paste do texto grego) é a seguinte:

“Men think that it is in their power to act unjustly and therefore that it is easy to be just. But really this is not so. It is easy to lie with one's neighbor's wife or strike a bystander or slip some money into a man's hand, and it is in one's power to do these things or not; but to do them as a result of a certain disposition of mind is not easy, and is not in one's power.”

Opto por nem sequer comentar as palavras do grego, dada a clarividência que elas possuem, referindo antes o facto de ter que haver uma razão para um cromo do Baresi aparecer nas páginas onde se diz isto. O Baresi, cujo papel no futebol mundial foi o de baresi, e não de libero ou defesa central, como muitos ignorantes em matéria de ética e futebol dizem por aí, no meio da Ética a Nicómaco, esquecido há uma data de anos... isto sim, isto é que é uma questão ética e moral, ao contrário das parvoíces que esse Vale e Azevedo versão ciclista anda com os seus 15 assessores a distribuir pelas televisões e jornais, tentando safar-se sem ter que devolver o guito que recebeu: a única questão que importa, como já quase toda a gente percebeu.

Mas, se querem mesmo ler alguma coisa que vos inspire para que possam tomar uma posição esclarecida sobre isto, remeto-vos para o imperativo categórico do Kant ou então para o meu próprio imperativo categórico, ambos absolutamente lapidares acerca do que poderá ser uma boa conduta em matéria de desporto, de drunfos e não só.


“Age como se a máxima da tua acção se deva tornar, através da tua vontade, lei universal.”

Kant



“Entre o arroz de pato e o arroz de cabidela escolhe sempre o arroz doce”

Capt. Paddock


A proximidade entre o meu pensamento e o do Kant é matéria já identificada por muitos estudiosos e filósofos que se têm dedicado a tentar perceber melhor a beleza das coisas simples. Kant afirmava: “Só duas coisas me causam mistério: o céu estrelado acima de mim e a lei moral que há em mim.” Eu, Capitão Paddock, em tempos afirmei: “Só duas coisas me fascinam: como fazer um ovo estrelado sem rebentar a gema e como bater em fade sem falhar o green.” Mas deixo esta questão para os especialistas; sou demasiado modesto para me comparar com o Kant. Isto está a ficar muito rebuscado dado o elevado nível dos argumentos filosóficos invocados mas tenham calma. Também fui consultar a secção de perguntas da revista Maria e encontrei lá isto:

Aos senhores doutores da Maria, Olá, sou o Paulinho, moro na Arrentela e trabalho num hipermercado. Estou a escrever aos senhores porque eu pratico ciclismo amador nos tempos livres e outro dia vi na televisão o Armstrong com uma bicicleta igualzinha à minha e queria saber se isso faz de mim um junkie. Obrigado

Caro Paulo, não há nenhuma evidência científica de que isso possa acontecer. Continue a praticar a modalidade de que gosta e não se preocupe com o que os outros tomam ou deixam de tomar. Siga o seu caminho, pois só assim poderá atingir a felicidade.

Revista Maria, Janeiro de 2013

O que eu pretendo com este meu tratado é esclarecer o assunto de uma vez por todas, como é habitual em mim. Lanço (não é trocadilho) a seguinte questão: porquê ir de bicicleta se podemos ir de mota? A resposta a esta pergunta desfaz em pó as mais absurdas teorias que se têm produzido acerca do irrelevante Armstrong: das idiotices daquele preto estúpido que o maradona postou, às palermices dos da teoria da conspiração, vai um mundo de insanidade que só serve para desviar do essencial e que se pode traduzir no seguinte: Valentino Rossi, no seu meio de transporte com duas rodas e um guiador, chega primeiro que o Armstrong a qualquer sítio. Sim, já sei, a trotinete do Rossi tem motor. Mas o que é que isso interessa? Só os que ligam a ciclismo é que dão conta desses pormenores. Não é permitido usar motas no ciclismo? Quero lá saber. Se for em França, der na TV à tarde e tiver o Marco Chagas (saudações leoninas) a falar é porque é ciclismo, quer os gajos vão de bicicleta, de mota, ou de triciclo, como o Toulouse-Lautrec no sketch dos Monty Python. Não estão convencidos? Acham injusto uns irem de mota e outros de bicla? Pois digam lá então qual é a justiça de uns irem pastilhados e outros não. A justiça, quando é humana, é sempre subjectiva, meus amigos e minhas amigas. Justiça da outra, aquela a sério mesmo, só a de Deus. E os que não acreditam em Deus, olhem, façam o que vos parecer melhor, continuem a ler o que eu e os outros filósofos escrevemos e não pensem muito nas cenas. O Rossi chega mais depressa aos sítios do que o Armstrong. E isso é filosoficamente suficiente.

14 comentários:

  1. entre a modalidade e a moralidade, a canela (smile)

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    1. Posso dar mais exemplos: entre o ciclismo e a natação sincronizada prefiro o curling.

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  2. Bom dia Capt.

    "Somos todos iguais perante o dever moral" :) valeu-me um bom final de um teste ainda no liceu e acompanha-me no dia a dia .

    Gosto da seriedade de Kant :) ainda não consegui ler a critica da razão pura :) perdi-me algures no tempo e não encontrei o espaço, não desisti :)um dia, voltarei a tentar :)

    quanto ao seu pensamento sobre o arroz :) prefiro o arroz de pato ao arroz doce :)

    já gostei de andar de mota :) hoje gosto de puxar por mim :)
    e a bike faz-me lembrar a minha 1ª infância :)ai like !

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    1. Eu diria que te perdeste no meio das intuições puras. Not bad: há sítios piores para uma pessoa se perder.

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  3. Começo a perceber porque criaste um blog… a causa anda a modos que uma rave de zombies.

    Apoio aquela do etíope que usa óculos de estilistas panascas italianos. A história parece-se cada vez mais com o futebol de bastidores… um etíope a usar óculos de estilistas panascas italianos e com o logótipo do FMI nos cartões de visita, a mandar bitaites sobre a porra da constituição… só falta anexar a Itália!!!

    Deste teu post sobre ciclismo ética moral e arroz doce, só li a citação do Aristóteles em grego…e pronto, está lá tudo!!!
    Ao Kant não dou importância porque desconfio de gajos que afirmam que cozinhar arroz dependo do cozinheiro quando a mim o arroz sai sempre como lhe dá na gana. Umas vezes solto outras malandrinho.
    Acerca da pertinência do assunto Armstrong, só lembro que já há por aí rafeiros chamados Armstrong.

    Portanto, estando tudo esclarecido e já com bigode, deixemos á fogosidade da menoridade este assunto. Sejamos nós racionais e preocupemo-nos com coisas realmente importantes… tipo gajas boas e onde é que elas param, se é conveniente ir de mota ou de carro.

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  4. Eu gostava de poder comentara à atrasada, mas este pequeno não me deixa aqui (mas deixa na causa). Gostei do ensaio, só por causa do Baresi.
    Bons sonhos ;)

    alba

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    1. Estou por aqui e está tudo bem ;)
      O meu mini é que se incompatibiliza com estas caixas :)

      alba

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  5. o ciclismo eh um desporto aristotelico
    deiamn-me uma alavanca e arrastarei o mundo

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    1. Ora, aqui está :) quem conhece A. e pratica a sua doutrina:)))
      saravá :)))

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    2. Gosto dos dois e também gosto de vocês. Aristóteles e Arquimedes é quase o mesmo: eram gregos, usavam túnica e já morreram há muito, o que nos impede de tirar a limpo essa questão.

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    3. heheheheeh
      Capt.
      Ambos gostavam de acção :) ou não :)

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