17 de novembro de 2012

Enfiar carapuças nunca foi o meu género, não é que eu seja cabeçudo e elas não me sirvam, mas gosto de ser eu a escolher os chapéus que uso

Hoje, o gajo da UPS trouxe-me o pacote semanal da Amazon onde vinha isto




o que seria motivo suficiente para eu passar esta noite de chuva, bem entretido ao pé da minha lareira imaginária, fazendo o trabalho preliminar que é o de definir uma estratégia de ataque ao meu brinquedo novo, apontando por onde começar, lendo parágrafos, saltando páginas aleatoriamente, enfim, fazendo o trabalho de preparação que estas 630 páginas merecem, para de seguida serem tratadas com o devido respeito. Para os que não sabem, é assim que se lê um livro de filosofia. Para os que sabem, este é um livro de filosofia. Para os que julgam que sabem, a filosofia não morreu e todos esses idiotas que decretam a morte disto e daquilo não passam de cangalheiros maus profissionais que nem conseguem ver se um gajo está morto antes de o enterrarem. Passo à frente do facto de ler em inglês um texto escrito em alemão; já vos disse que escusam de ver em mim um poço de virtudes. Tenho as minhas falhas: sempre fui mau em matraquilhos e o meu alemão não dá para ler convenientemente textos à séria como este.

Mas há uma coisinha – e este meu uso da horrível palavra coisinha tem um propósito – que o alf disse no seu último ensaio e que me fez pousar o livro e vir aqui partilhar convosco umas merdas (tenho que repensar esta minha expressão “partilhar umas merdas”, eu sei, mas até que eu encontre melhor forma para dizer o que faço aqui, irei insistir com esta caracterização da minha actividade no blog: partilhar umas merdas).


Na verdade, as pessoas de bem estão mesmo convencidas de que quando um gajo diz, por exemplo, este livro é uma merda, ou esta gaja não sabe escrever, está a manifestar biliosamente uma incontrolável inveja, nada mais restando a esse pobre gajo, com olhos injetados de sangue, a boca seca, e os dedos retorcidos, entregar-se à combustão da sua raiva pelo facto do mundo dos factos devidamente alinhados pela ordem natural das coisas não ter priveligiado o ressentido com um livro publicado...

alf, 16 de Novembro de 2012, 21:28, num post intitulado “Crítica da faculdade de mandar para o caralho quem eu quiser”, post esse que arranca de forma magistral com duas epígrafes de dois talentosos pensadores, cuja carreira não se faz nesses vãos de escada do pensamento que são as academias ou os almoços das redacções de jornais.


Pois bem, quando se cita, não se cita apenas para se dizer que se concorda. Cita-se porque se quer partir daí, concordando ou não. Neste caso, em concordância com o fundamental da frase do alf, avanço para o terreno, para mim nada movediço, que é o de utilizar argumentos de vária ordem que demonstrem claramente que uma pessoa pode dizer mal de um livro , de uma banda, de um filme, etc. não porque seja um Obélix a acartar um menir de ódio e intransigência, mas sim porque esse livro, banda, filme, etc. sejam mesmo maus, desinteressantes, chatos e que, para bem de todos nós, deviam ir:

a) para a cona da prima;

b) para o caralho que os foda;

(o leitor que escolha)

Anos e anos de lengalengas e mitologias de psicologia social, ou lá como é que essas tretas se chamam, deram origem a um estatuto de aparente verdade a essa teoria oca e medíocre que consiste em dizer que quem critica, é ressabiado, invejoso, tem mau perder, mija na cama e não coloca os plásticos no contentor da reciclagem dedicado às embalagens. Completamente incapacitados de pararem para pensar sobre a verborreia que espalham, esse psicólogos sociais (ou socialistas?) nem dão conta que uma pessoa, de bem ou de mal, pode criticar uma coisinha por razões que radiquem nessa coisinha ou na relação que a pessoa tem com essa coisinha e não porque se acham o melhor da praceta só por se atirarem ao autor da coisinha. Que é que quer dizer essa parvoíce de que “os portugueses só sabem falar mal”? Teorema central do pré-fabricado intelectual dessa seita que acha que sabe o que é isso de ser português. Não quer dizer nada: se uma pessoa tem absolutamente claro para si que um livro é uma bosta, porque é que não o deve dizer sem que as outras pessoas entendam que essa pessoa disse que o livro é uma bosta por outra razão qualquer?

É com base nesse pressuposto de TAT (Teoria da Aceitação de Tudo) – teoria que eu acabei agora de descobrir e cuja demonstração publicarei quando tiver tempo – que cabeças como a do alf ou a minha tiveram que levar com as escrituras de certo tipo de escritores, num sítio a que a grande maioria das pessoas chama escola. Tivesse toda a gente, desde o início, cumprido o seu papel com competência, dizendo o que entendiam sinceramente acerca do assunto, e essas bolas de neve nunca teriam crescido a ponto de termos que levar com elas em cima das nossas cabeças. Mas o palmadismo nas costas tem destas coisinhas: faz carreiras. E bem fodido está quem tiver que levar com elas.

5 comentários:

  1. entre a) a cona da prima e b) para o caralho que os foda, "bloqueei" (ei!) a alínea c) ide fazer broches a cavalos (muito utilizada no hinterland do latifúndio marialva ribalentejano)

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    1. Ainda bem que falaste nisso oh AM.
      “Ide fazer broches a cavalos” é o “vai mamar na quinta pata dum burro” do hinterland mais meridional e despretensioso.
      Curiosamente esta dinâmica evolutiva do mesmo conceito ilustra a questão levantada pelo alf, e continuada pelo ZMB, que ameaça reeditar a questão coimbrã:

      Ver um génio em cada jovem burro que escreve e uma obra na respectiva albarda.

      Tudo bem com burros e albardas, desde que os ciganos castilhos não os vendam por puro sangues de alter arreados a zaldi à portuguesa.

      Mas se é tudo uma questão de economia e é só pra abrir caminho ao pastel de nata, olha que se foda… não sou burro nem tenho albarda, de modos que… quem quiser que os compre… quem os comprar que os leia!

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  2. Se são coisinhas apreciadas por pessoas coisinhas, é normal que estas se sintam injuriadas quando alguém lhes faz sobressair o seu carácter de coisinha. Para os que sabem avaliar a proporção das coisas, independentemente de terem de levar com as mentes pequenas em cima - destino comum dos que sentem espanto e não se deixam levar por livrinhos - devem obrigatoriamente continuar o seu belíssimo préstimo à sociedade, partilhando e prevenindo certas pessoas de se ficarem por coisinhas.

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    1. Goethe disse algo parecido :)

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    2. Para mim que devo sofrer do TAT :)))
      É me indiferente o que os outros lêem :)
      por experiência na maioria dos casos não dá para recomendar livros a adultos :)

      Também por experiência sei que se estivermos atentos poderemos revolucionar o mundo de um miudo ao recomendar-lhe no momento certo o livro que não mais o fará parar de ler :)

      Vou ler este alemão já estive a inspeccionar a ficha :)
      sei que sou capaz de gostar
      Thanks mais uma vez :)


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